Projeto propõe endurecer a punição para “crimes contra a democracia” e contra a integridade dos chefes dos Três Poderes
O presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) anunciou na 6ª feira (21.jul.2023) o PAS (Programa de Ação na Segurança), elaborado pelo Ministério da Justiça e Segurança Pública. O programa estabelece mudanças em relação ao controle de armas e segurança nas escolas, além de estabelecer o “Pacote da Democracia”, que propõe punições para crimes contra o Estado Democrático de Direito.
O texto define penas maiores para integrantes de atos considerados antidemocráticos e para quem “atentar contra a vida” do presidente da República e de chefes dos outros Poderes.
Especialistas consultados pelo Poder360 consideram que o aumento da punição pode não gerar resultados ou até mesmo inibir críticas a autoridades no futuro. Por outro lado, há quem defende que os chamados “crimes contra a democracia” são de natureza grave e, por isso, precisam ter punições severas.
O advogado Antônio Carlos de Almeida Castro, o Kakay, criticou o plano apresentado pelo governo. Afirma que Lula estaria repetindo um “erro histórico” e que os governos petistas tiveram legislações mais punitivas.
Para Kakay, a proposta é “despropositada” e não foi discutida antes de ser apresentada. O advogado diz que o aumento da punição não resultaria em uma queda de crimes do tipo.
“A coisa mais antiga que existe no direito penal é que não é o tamanho da pena que pode de alguma forma diminuir a criminalidade ou melhorar a relação no Estado Democrático de Direito. É o contrário. Nós temos que buscar um direito penal mínimo. Temos que buscar a abolição da prisão”, declarou Kakay ao Poder360.
“Eu como advogado e uma pessoa que tem uma preocupação com Estado de Direito e com direito do cidadão, acho que não é por aí que se fortalece a democracia”, disse.
O advogado André Marsiglia, especialista em direito digital e pesquisador de casos de censura, também se manifestou contrário à proposta. Cita riscos por causa da “interpretação ampla” sobre o que pode ser considerado crime contra o Estado e ameaça a autoridades.
Segundo Marsiglia, a proposta poderia se tornar “desastrosa“ e inibir opositores políticos: “O resultado poderá ser a inibição da crítica aos agentes públicos e uma atuação amedrontada da oposição política no país. Crimes contra o Estado democrático são uma exceção, típicos apenas de momentos de grave instabilidade, algo que as próprias instituições vêm afirmando não estarmos vivendo”.
Por outro lado, o advogado Lenio Luiz Streck, professor de direito constitucional e sócio do escritório Streck e Trindade Advogados Associados, concorda com a proposta do governo Lula e afirma que é justificado o aumento da punição para ataques contra o Estado Democrático de Direito.
“A democracia é um bem fundamental. Ataques contra esse bem e seus agentes justifica pena severa. Temos de nos preocupar com o futuro. O 8 de Janeiro deve servir como lição”, afirmou Streck.
ENTENDA
O projeto proposto pelo governo altera o Código Penal. As sugestões são as seguintes, conforme documento (íntegra –372 KB) disponibilizado pelo Ministério da Justiça:
- de 6 a 12 anos para quem organizar ou liderar movimentos antidemocráticos;
- de 8 a 20 anos para quem financiar movimentos antidemocráticos;
- de 6 a 12 anos, mais pena correspondente à violência, para crimes que atentem contra a integridade física e a liberdade do Presidente da República, do vice-presidente da República, do presidente do Senado, do presidente da Câmara, dos ministros do Supremo Tribunal Federal e do procurador-geral da República, com fim de alterar a ordem constitucional democrática;
- de 20 a 40 anos para crimes que atentem contra a vida das autoridades citadas acima, com fim de alterar a ordem constitucional democrática.
- A versão atual do Código Penal determina:
- de 4 a 8 anos para quem tentar, com emprego de violência ou grave ameaça, abolir o Estado Democrático de Direito, impedindo ou restringindo o exercício dos Poderes constitucionais;
- de 4 a 12 anos, além da pena correspondente à violência, para quem tentar depor, por meio de violência ou grave ameaça, o governo legitimamente constituído.
- de 1 a 4 anos por caluniar ou difamar os presidentes da República, do Senado, da Câmara dos Deputados ou do Supremo Tribunal Federal, imputando-lhes fato definido como crime ou fato ofensivo à reputação;
- de 1 a 3 anos por ofender a integridade corporal ou a saúde de qualquer das autoridades mencionadas no artigo anterior;
- de 4 a 12 anos por atentar contra a liberdade pessoal de qualquer das autoridades referidas;
- de 15 a 20 anos: matar qualquer das autoridades referidas.
- A proposta do governo Lula não detalha de maneira minuciosa o que seriam atos condenáveis por atentarem contra o Estado Democrático de Direito.
Por exemplo, no caso dos atos do 8 de Janeiro, o Supremo Tribunal Federal tornou réus, até 26 de junho, 1.290 pessoas. Não está claro nas decisões do STF se todos os que foram considerados réus de fato depredaram prédios públicos ou se alguns apenas estavam em frente ao Congresso ou na Praça dos Três Poderes gritando palavras de ordem contra as instituições. O Programa de Ação na Segurança tampouco deixa claro se atinge pessoas que apenas fazem manifestações pacíficas falando contra a democracia.
Entre os indiciados pelo 8 de Janeiro, como se sabe, há pessoas que seguravam cartazes no gramado durante as manifestações, mas que não depredaram os edifícios do local. O projeto de Lula não explica se quem segurar ou portar uma faixa ou cartaz com mensagens contra a democracia numa praça pública já estaria sujeito às penas descritas no texto.
Eis o que diz o documento do governo Lula para justificar a necessidade de penas “mais severas”:
“Os atos antidemocráticos ocorridos em 8 de janeiro de 2023, que culminaram em gravíssimos danos contra os Poderes do Estado e ao patrimônio público, demonstraram que o tratamento penal aos crimes contra o Estado Democrático de Direito precisa ser mais severo a fim de que sejam assegurados o livre exercício dos Poderes e das instituições democráticas, o funcionamento regular dos serviços públicos essenciais e a própria soberania nacional”.
Nada é explicado, entretanto, sobre o que pode ser considerado apenas opinião e o que realmente se torna uma ameaça à democracia passível de condenação penal.
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