Corte atua como metamorfose ambulante e desdiz aquilo tudo que já disse antes, escreve André Marsiglia
Em algum momento, todos acreditamos que a abundância de informações que a tecnologia do nosso século proporciona nos traria melhorias. É assim a vida: imaginamos o melhor e colhemos o pior. O excesso informacional trouxe o caos e, diante de nossa incapacidade para filtrar sozinhos as ideias que nos inundam, delegamos essa função a terceiros. Em um país autoritário como o nosso, delegamos a quem exerce o poder.
Nos últimos tempos, a tarefa foi conferida quase exclusivamente ao Judiciário, representado por sua mais alta Corte, o STF (Supremo Tribunal Federal). É por sua pena, por sua balança e, sobretudo, pelos olhos vendados de sua deusa, que esse poder passou a ser exercido recentemente no Brasil para reescrever a história.
Assistimos nas últimas semanas ao STF –essa metamorfose ambulante– desdizer aquilo tudo que já disse antes a respeito das provas que envolviam a Odebrecht. O clima dos políticos de esquerda foi bíblico: “os humilhados foram exaltados”, escreveu um deputado em seu perfil no X (ex-Twitter). Não fica por menos o julgamento que supostamente inocentou Lula. Os exemplos são muitos e conhecidos nossos; não vale perder tempo com eles.
A questão é: por que o STF é peça-chave na tarefa de reescritura da história? Por duas razões:
- o conteúdo dos votos tem o peso da autoridade e do poder; e
- ninguém se importa com o fundamento do voto, qualquer coisa serve, importa apenas o resultado, quem ganhou e quem perdeu. É como em um gol, só importa o placar, se foi ou não pênalti, se quem fez o passe fez falta antes, nada importa. Vira conversa de boteco.
Num tempo em que o excesso de informações nos sufoca, poder dizer simplesmente: “sou inocente”, “ele é culpado”, talvez, seja o instrumento político mais valioso que existe. Atento a esse fato, o governo Lula tem cortejado o STF e seus ministros e tem colhido uma boa biografia para contar aos netos dos seus eleitores. Já Bolsonaro, rangeu os dentes para a Corte e tem colhido derrotas sombrias.
Ter uma Corte que decide sobre toda e qualquer coisa é muito importante para quem está no poder. Ter um STF amigável é proporcionar ao governo algo muito maior do que uma harmonia institucional, é proporcionar reescrever a história antes mesmo que a tinta seque e seja fixada nos cadernos escolares.
O STF não é mais só uma Corte política hoje em dia, não é mais só uma Corte moderadora dos demais poderes. Deu-se um passo a mais ao precipício e a Corte se transformou na editora da nossa história.
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