Não há pacificação na Justiça quanto à autorização prévia no uso de imagens em biografias
A biografia é o relato da vida de alguém e da sua significância histórica, traduzida, algumas vezes, em importantes idealizações, realizações e contribuições à sociedade; outras vezes, em atos analisados como nocivos à linha social, mas que futuramente marcarão forte o curso de sua existência.
Todas essas ocorrências são e formam, na sua essência, as premissas básicas do princípio cognominado como do não esquecimento, que representa a pedra fundamental da história e qualifica a sua linha evolutiva ou involutiva.
E por isso se destaca, como razão essencial da obra biográfica, a supremacia do interesse público sobre os interesses individuais do retratado, sendo evidente lesão ao interesse coletivo e ao direito de ser informado, dentro de um país democrático, qualquer obstáculo à divulgação da obra.
Esta foi a linha acertadamente seguida pelo Supremo Tribunal Federal, em julgamento prolatado em 2015, na Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) 4815, que declarou inexigível a autorização prévia para a publicação de biografias.
Ponto, no entanto, sobre o qual pouco se fala é que as imagens, nos seus aspectos materiais e imateriais, que ilustram a narrativa biográfica, devem ser consideradas como integradas ao objetivo jurídico e editorial da obra, gozando dos mesmos benefícios conferidos ao texto.
Seria completamente disparatado o entendimento de que o texto biográfico prescinde de autorização, em razão de prestigiar o direito coletivo à informação, mas as imagens que o ilustram, e que com ele formam uma unidade editorial, não.
Até o momento, a questão proposta foi examinada uma única vez pelo judiciário, após questionamento de uma das mulheres com quem Assis Chateaubriand manteve relação amorosa, e que teve sua imagem exposta na biografia do festejado empresário.
O judiciário, em duas instâncias [1], rechaçou o pedido da autora, dando guarida ao interesse coletivo da obra, não se podendo, no entanto, dizer sequer que esse único caso está pacificado, pois os Recursos Extremos ficaram sobrestados, aguardando julgamento-paradigma do STF a respeito dos limites da liberdade de expressão.
O caso é de sobranceira importância, não apenas por relativizar a necessidade de autorização da imagem em biografias, como também por permitir a exposição de personagens até mesmo secundários, em acertada interpretação de que a permissão constitucional alcança não a obra, mas as escolhas editoriais do biógrafo para sua composição.
É preciso, portanto, que doutrina e jurisprudência acerca do tema acomodem e pacifiquem essa interpretação o quanto antes, conformando o tema à interpretação do STF à Constituição, no sentido de que os direitos autorais e de imagem envolvidos nas escolhas do biógrafo, para a confecção de uma obra biográfica, devem ser relativizados, tornando-se as autorizações dos autores e retratados em textos e imagens da biografia absolutamente desnecessárias.
Qualquer entendimento contrário atacará o interesse coletivo, restringindo a liberdade de expressão do biógrafo, e aproximando a interpretação do texto constitucional de um perigoso flerte com a censura.
[1] O acórdão de segunda instância foi proferido pelo Tribunal Bandeirante e é de Relatoria do Desembargador Carlos Alberto Garbi, datado de Dezembro de 2017, autuado sob a numeração 0178622-49.2010.8.26.0100.
Artigo publicado no JOTA.