Nesta quinta feira última, representando o setor jornalístico, participei de audiência pública na Câmara dos Deputados sobre o Projeto de Lei 1354/21, que trata da remuneração dos veículos de comunicação pelas grandes plataformas, as chamadas big techs.
O projeto segue uma interessante e justa tendência mundial de obrigar as grandes plataformas a pagarem pelo conteúdo informativo divulgado por elas.
O debate deixou claro que a tarefa não será fácil. As plataformas ainda estão apegadas a um velho discurso de que são meros intermediários, simples vitrines que visibilizam o conteúdo nelas depositado pelos veículos, por opção deles.
Acontece que os conteúdos informativos, direta ou indiretamente, agregam valor e geram credibilidade às plataformas, redundando em seu sucesso publicitário.
Os números indicam que mais de 60% da publicidade destinada ao digital fique com as plataformas.
Nada mais justo que se reparta uma fatia com aqueles que as alimentam de conteúdo.
É ainda enganoso pensar que se trata de uma opção dos veículos disponibilizar seus conteúdos nas plataformas. Como hoje em dia ninguém mais digita www, mas, sim, entra nos provedores de busca ou nas redes sociais, e por lá chega ao conteúdo informativo, se os veículos não estiverem lá, estarão fora do mercado.
E ainda que fosse uma opção, isso não quer dizer que esse conteúdo não tenha valor.
Seja sob qual ótica for, está mais do que na hora de as plataformas assumirem que o conteúdo informativo dos veículos lhes traz lucro, e que o lucro precisa ser rateado.
Imagino que o leitor com fôlego de chegar até aqui pode estar pensando: a imprensa tem tanto alcance, por que não usa de toda sua força para reivindicar seu naco do bolo?
Porque há tropeços nos próprios cadarços.
Primeiro, não são apenas notícias jornalísticas que possuem conteúdo informativo; há sites que possuem conteúdos espetaculares e não são de imprensa. E é difícil unir todo mundo.
Segundo, há um ruído entre jornalistas e donos de veículos a respeito de quem é que deve receber pelo conteúdo.
Terceiro, e mais relevante, há uma constelação de possibilidades para responder hoje em dia à questão “o que é imprensa?”.
Quanto mais afunilamos as possibilidades da resposta, menos democrática ela será, pois ficarão poucos e os mesmos de sempre na conta do que é a imprensa; quanto mais alargamos, mais perigo corremos de aceitar que sejam imprensa propagadores de desinformação e fake news.
Nesse fio da navalha, a meu ver, só avançaremos quando entendermos imprensa por critérios éticos, e não por critérios financeiros ou de estrutura, e ainda assim, enquanto diante de nós estiver um governo que faz de tudo e mais um pouco para transformar a imprensa em algo dispensável, todo e qualquer critério estará na corda bamba.
O PL 1354/21 terá muitas dificuldades, mas precisa avançar. As rachaduras têm de levar ao enfrentamento, não ao recuo. Se o debate sobre o tema for postergado, não sei se a imprensa resistirá. Nessa semana, El País ter desistido do Brasil nos deu um bom indicativo.
Leia o artigo em O Antagonista.