Em entrevista à rádio Jovem Pan, na última segunda feira, dia 10, Bolsonaro deu a entender que seus indicados ao STF são escarafunchados até que ele obtenha certeza de que compartilham sua visão de país e de mundo.
Insinuou ainda que seu método de escolha lhe permite saber como os ministros Kassio Nunes e André Mendonça, indicados por ele, votarão a respeito dos principais temas em pauta no Supremo. Como exemplo, mencionou os julgamentos do marco temporal de terras indígenas.
O presidente devia ficar quieto, mas não fica. Os ministros Nunes e Mendonça deveriam ter falado algo, mas não falaram.
A reiterada tentativa de interferência de Bolsonaro no STF é lamentável. Nem merece que percamos tempo com críticas. Aprendi com a vida que a crítica carrega consigo uma esperança de mudança daquele que é criticado, mas como há pessoas que não mudam nunca, a elas a crítica é inútil. Bolsonaro é esse tipo de pessoa.
Aliás, essa sua característica é exatamente o que hipnotiza uma parte do que restou de seu eleitorado. Com seu discurso imutável e simplista, ele entrega a essa gente o conforto e a tranquilidade que o próprio mundo é incapaz de entregar.
A cruzada do presidente contra a novidade da vacina, sua agressividade com as perguntas desafiadoras da imprensa e sua obsessão de que todos os seus indicados pensem exatamente como ele são sintomas claros de quem não lida bem com o que não é do jeito que sempre foi.
Se Bolsonaro é assim, seus indicados não devem ser. Aliás, quem mostrou isso muito bem na semana foi o diretor da Anvisa, Barra Torres. Tomou as insinuações do presidente sobre a lisura de sua gestão como ofensa e publicou uma nota aguda desafiando-lhe a dizer o que sabe. Bolsonaro acusou o golpe e recuou.
Se Barra Torres, com elogiável coragem, mostrou estar a serviço da Anvisa, e não de Bolsonaro, decerto os ministros indicados pelo presidente ao STF, sob o manto seguro do cargo vitalício, poderiam ter vindo a público para desdizer a entrevista do chefe do executivo, e informar que aquilo que pensam pertence somente a eles e que se sentem completamente independentes de quem os indicou.
Não fizeram isso.
Mas terão outras oportunidades para fazê-lo, para mostrar que não se sentem devedores da nomeação e que não estão lá por pensarem com a cabeça do presidente.
Em um órgão colegiado, os novos ministros terão a todo o momento a oportunidade de se abrirem ao debate, escutarem vozes dissonantes e – sempre – se valerem da segurança do cargo para refutar Bolsonaro, quando ele novamente colocar em dúvida a autonomia deles.
O presidente, como sabemos, não ficará quieto, e os ministros precisarão, em algum momento, se manifestar em favor de sua independência, ainda que nos autos.
Do contrário, será terrivelmente ruim a todos nós, e não menos a eles, que atormentados pelo fantasma de Bolsonaro, no mínimo, terão dificuldade de colocar a cabeça no travesseiro e dormir o sono dos justos.
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