O mantra para que os jovens votem e para que os demais não anulem seu voto não tem nada a ver com aperfeiçoar o processo democrático.
O Brasil é um país curioso. Nossa independência não foi conquistada, mas comprada, literalmente, a peso de ouro. Em seguida, o Brasil foi tomado das elites do Império para ser entregue às elites da República. Em uma passagem de “Esaú e Jacó”, Machado de Assis conta com graça singular que o fato mais relevante de nossa transição do Império para a República foi a faixa da confeitaria do centro da cidade do Rio de Janeiro passar de “confeitaria do Império” para “confeitaria da República”. No mais, nada demais. Nossa essência foi manter no poder quem sempre lá esteve e manter na sarjeta quem com ela já estava acostumado.
Não à toa temos predileção pelos que nos dizem o que fazer. Somos terra fértil para coaches, gurus, políticos populistas e paternalistas. No período eleitoral, no qual estamos, essa postura se traduz em um mantra destinado, sobretudo, aos jovens: vote, vote, vote, tire seu título de eleitor e vote. O infeliz do jovem mal consegue escolher as próprias meias, não sabe a diferença de um parafuso para um prego, mas é obrigado a ouvir o dia inteiro de todo mundo que a democracia depende dele: vote, vote, vote. Seja participativo nas eleições.
Há ainda os que pregam que não se deve votar nem branco nem nulo, pois o brasileiro precisa ser responsável pela escolha dos eleitos. Ora, votar branco ou nulo, por acaso, não é também uma escolha? Não estarão, faça chuva ou faça sol, de forma legítima, na urna eleitoral, os botões nulo e branco? Se a escolha do eleitor for por nenhum dos candidatos disponíveis, me parece ser absolutamente responsável a fidelidade à própria escolha chegar ao ponto de não ser negociada em nome de um “menos pior”, que a cada eleição cava ainda mais fundo o buraco daquilo que entendemos por pior.
A verdade é que o mantra para que os jovens votem e para que os demais não anulem seu voto ou votem em branco não tem nada a ver com aperfeiçoar o processo democrático, afinal forçar alguém a participar da democracia é tudo, menos uma atitude democrática. O que há é o de sempre: uma ânsia por nos conduzir a manter no poder quem nele sempre esteve. Ao final, trocarão a plaquinha de uma confeitaria qualquer do centro de qualquer cidade e nos farão ficar aguardando na sarjeta mais quatro anos para nos lembrar de como nosso voto é relevante para a democracia.
Publicado na Crusoé.