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A insopitável ânsia de punir a liberdade de expressão

Recentes atos de censura à imprensa e condenações de comunicadores à prisão têm movimentado diversos setores a buscarem alternativas para se colocar algum tipo de freio à insopitável ânsia que algumas autoridades sentem de punir o exercício da livre expressão.

Uma dessas alternativas foi o anunciado Projeto de Lei 2.287/2019, do deputado federal Vinicius Poit, do Partido Novo, que busca, até o momento, e em breve síntese, descriminalizar alguns tipos de ofensa à honra, tornando-os puníveis apenas na esfera cível, com sanções unicamente de cunho indenizatório.

O projeto é recente, requer leitura atenta e oportuno debate, razão pela qual não o pretendo analisar especificamente, fazendo, em verdade, um recorte, trazendo a questão suscitada no projeto para a minha expertise jurídica: a liberdade de expressão.

Advogo há muitos anos em defesa de jornalistas e comunicadores e noto que as ações criminais e inquéritos policiais contra eles intentados servem, na maior parte das vezes, muito mais para constranger do que para punir.

Explico: ainda que sob patrocínio de legislação regular e vigente, e independentemente do resultado da ação penal ou inquérito policial perpetrados, é desproporcional a existência de procedimento que imponha a um jornalista ou comunicador o risco de prisão ou de perda de sua primariedade. Também é totalmente inadequada e desnecessária a determinação de comparecimento a uma delegacia para prestar esclarecimentos a respeito de por qual razão emitiu ou decidiu levar a debate público sua ideia ou ideal, sua opinião ou pensamento.

Os autores ou motivadores de tais medidas penais, em geral autoridades e agentes públicos, sabem desse incômodo causado e dele se valem. O que se opera, portanto, em momentos como esses, é que o constrangimento do trâmite acaba valendo mais ao autor da medida do que seu resultado efetivo, servindo a simples existência do procedimento na esfera penal como instrumento de inibição da voz alheia.

O jornalista ou comunicador sente na pele, sempre estupefato e inconformado, a possibilidade de sua atividade profissional e do exercício de sua liberdade de expressão tornarem-se suspeitos e, pior, criminalizados, com o aval do Estado, que deveria ser o primeiro responsável por proteger tanto o ofício do comunicador quanto a liberdade plena de seu exercício.

Não é para isso que servem as leis, não é para isso que serve o Estado. Não é para isso que serve o Direito. A desproporção entre a exposição pública de uma opinião, por mais crítica ou criticável que seja, e os atos advindos da forte mão penal do Estado é inconciliável com a ideia de democracia, de contraditório, de liberdade.

Quando uma lei resulta desproporcional em relação ao ato que a motiva, ela deixa de cumprir seu papel e deve ser repensada, sob pena de sua existência incompatível com os valores libertários constranger o próprio Estado Democrático, personificado em seu valor maior e anterior — a opinião livre. Afinal, a própria discussão sobre o que é um Estado Democrático só é possível quando plena e assegurada a primazia da liberdade de expressão.

Artigo publicado originalmente no Consultor Jurídico.