Estamos matando a democracia para preservá-la dos que supostamente a desejam matar, escreve André Marsiglia
É Carnaval. Todas as fantasias são válidas, então suponhamos que os diálogos divulgados nos últimos dias colocaram realmente nossa democracia em risco.
Suponhamos ainda que tais diálogos justificaram as medidas de força bruta que foram –e ainda serão– tomadas pelo Supremo Tribunal Federal, a saber: fiscalização de partidos de direita, prisão de militares e do ex-presidente, deposição de políticos eleitos, relativização da imunidade parlamentar de críticos do presidente atual, impedimento da atividade de advogados dos réus, voluntarismo no controle das redes sociais e criação de grupos para rastreamento de discursos antidemocráticos.
Ou seja, vamos dar de barato que é aceitável que toda força bruta se justifique nestas terras, que todo ato antidemocrático do Estado seja válido para preservar o Estado democrático.
Pois bem, neste cenário, como ficará daqui para frente o jogo político no país?
Se toda oposição floresce da insatisfação com o que existe, e se o que existe é considerado uma democracia plena contra a qual todo questionamento é ilícito e toda força vale, ninguém se atreverá a ser oposição.
Não me venham dizer que sejam de oposição políticos que votaram no Lula para salvar a democracia, políticos que aplaudem abusos do Judiciário em nome de um bem maior. Isso não é oposição, esses são os que, ao primeiro aceno, aderem ao governo, aceitam um cargo e sorriem felizes nos santinhos da próxima campanha eleitoral.
Oposição mesmo não poderá haver. Criou-se no país um ambiente de tensão tamanha que os atingidos não serão apenas os que estão hoje no tabuleiro político, mas, sobretudo, os quadros do futuro, abortados pelo medo de serem vistos como extremos, ao serem de direita, pelo medo de serem enquadrados como antidemocráticos, ao fazerem oposição aos abusos de um Judiciário e de um Executivo que personificaram em si e em suas ações o próprio conceito de democracia.
Chegamos nesta rua sem saída. Estamos matando a democracia para preservá-la dos que supostamente a desejam matar. Pelo medo de morrer, nos suicidamos todos.
Um país sem oposição real e forte, ou com uma oposição “chapa branca”, não é uma democracia, nem pujante, nem inabalada. Relativa? Acredito –e lamento- que talvez nem isso.