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Busca e apreensão em suspeitos de hostilizar Moraes ‘extrapolam’ a lei, dizem constitucionalistas

Advogado André Marsiglia considera lamentável o episódio de que teria sido vítima o ministro do Supremo em Roma, mas considera que buscas que atingem investigados vão ‘além das medidas necessárias para se apurar o crime’

As fundamentações da ordem de busca e apreensão que atingiu suspeitos de hostilizarem o ministro Alexandre de Moraes no Aeroporto de Roma, ainda não foram tornadas públicas, mas já são questionadas por constitucionalistas e criminalistas. Eles apontam que é necessária uma rígida apuração sobre as supostas ofensas ao ministro do Supremo, mas consideram que as buscas vão ‘além das cabíveis’ para se investigar o caso. Eles alertam que a medida pode não ter ‘qualquer utilidade’ para o inquérito.

O constitucionalista André Marsiglia aponta que a realização de busca e apreensão em casos de crime contra a honra é ‘absolutamente excepcional’. Em sua avaliação, a ação da Polícia Federal – a partir de autorização da ministra Rosa Weber, presidente do STF – se situa ‘além das medidas necessárias para se apurar o crime’.

Segundo Marsiglia, o caso ‘não pode ser apurado para além do que a lei permite’.

“Agressão verbal não tem conexão com qualquer coisa que possa ser encontrada na casa. É possível haver a busca, mas não me parece ser pertinente para esse caso. Desconheço qualquer razão jurídica que possa motivar uma medida assim”, considera.

O criminalista Diego Henrique diz que não há vedação às buscas a depender do crime sob suspeita, mas ressalta que, no caso, o fato sob suspeita ‘se deu em ato único ocorrido fora do País’.

“Olhando de fora (sem conhecer os autos no detalhe), não vislumbro qualquer utilidade da medida para as investigações, o que a torna ilegal e abusiva”, pondera.

Sobre a supervisão do inquérito, Diego Henrique diz não ver ‘qualquer hipótese’ que justifique a competência do STF. “A competência para processar e julgar crimes cometidos por brasileiro no exterior é da Justiça Federal da comarca onde reside o autor, segundo entendimento do Superior Tribunal de Justiça e o artigo 88 do Código de Processo Penal”, explica.

Na mesma linha, Marsiglia não vê competência do STF para conduzir a apuração, considerando que os supostos autores do crime sob investigação não têm foro por prerrogativa de função.

“Um caso dessa natureza tramitar no Supremo nos leva a uma especulação de que a Corte entenda que ele merece ser apurado em inquérito sigiloso. E, para isso acontecer, a Corte precisa entender que essas pessoas estão ligadas aos atos do 8 de janeiro. Ou que uma agressão contra um ministro pode ser compreendida como uma agressão ao próprio Estado, como se os ministros personificassem a figura do Estado”, compara.

O constitucionalista rechaça tal entendimento. “Temos diversos agentes públicos que são diariamente ofendidos e isso não é nunca confundido como um atentado ao Estado. Se existiu essa interpretação é equivocada e perigosa”, ele diz.

Marsiglia cita a hipótese de se entender que o caso poderia ser apurado no bojo do inquérito das fake news – que mira ofensas contra os ministros do STF. “Se for compreendido dessa forma, vamos ter que entender que agressão a ministro é ao Estado. É uma confusão que não pode ser feita. É lamentável, mas não é agressão ao Estado. Há mecanismos próprios para apurar crimes contra agentes públicos”, frisa.

Já o criminalista Fernando Augusto Fernandes aponta que a busca e apreensão é possível ‘em todo e qualquer crime contra a honra’. “Havendo documento importante para que o Judiciário elucide algo, é possível a busca.”

Segundo Fernandes, o caso do ministro Alexandre de Moraes pode ser apurado como injúria qualificada pela violência contra funcionário público e ‘pode não estar isolada no fato do aeroporto, mas também conectada a atentados contra a democracia’.

“É necessário apurar se eles filmaram, se remeteram mensagem para alguém de fora, tudo isso torna a busca necessária”, sustenta.

Na mesma linha, o criminalista Conrado Gontijo, entende que há ‘crimes graves’ praticados em face do ministro do STF ressaltando que a ministra Rosa Weber autorizou as buscas após pedidos da Polícia Federal e do Ministério Público Federal. “A busca pode ser feita sempre que houver necessidade e sempre que possa auxiliar na descoberta sobre fatos delitivas. Por isso, até em casos de crimes para os quais a pena prevista não seja elevada, a medida é cabível. Sua utilização não tem relação com a gravidade dos fatos (e, na hipótese concreta, os crimes me parecem bastante graves), mas com a sua utilidade para a identificação de elementos probatórios”, explica.

Publicado em Estadão.