Empresas podem aprender com as críticas ao invés de punir
Quase todo mundo que está vinculado ao mundo corporativo tem histórias de colegas demitidos por justa causa para contar. Os motivos são diversos e, entre eles, muito comum hoje em dia, estão manifestações de colaboradores em redes sociais contrárias à “cultura” ou aos “valores” da organização, ou até mesmo publicação de posts criticando a chefia e/ou a própria empresa. O noticiário também está repleto de casos “curiosos” de pessoas que se complicaram no ambiente de trabalho por serem “sinceras” demais nas redes sociais.
Muito se discutem casos assim sob o ponto de vista do Direito trabalhista. O funcionário que falou mal do chefe no Facebook pode ser demitido? Quais as implicações legais de uma demissão por justa causa em situações como essa? É menos frequente, no entanto, que essas circunstâncias gerem debates sob a ótica da liberdade de expressão. A empresa pode, afinal, dizer o que o funcionário deve ou não fazer nas redes sociais? Há limites para a livre expressão no ambiente de trabalho? O fato é que junto com o crachá, ao assinar o contrato de trabalho, é comum que o empregado receba um manual de conduta, um guia de como deve agir – e até se vestir – dentro da empresa e do que pode ou não fazer no espaço virtual.
Esse procedimento precisa ser analisado e refletido. Não poder tecer críticas à empresa reflete uma ideia de unidade, de que todos numa empresa devem ter o mesmo ponto de vista, o que não é democrático. E também impede que a empresa se desenvolva de forma mais produtiva. Não é saudável que todos em uma empresa pensem igual, seja ela pequena, média ou grande. É muito mais produtivo quando as empresas aceitam e usam as diferenças entre as pessoas a seu favor, quando se mostram aptas a aceitar e a discutir as críticas que recebem, do que quando partem para a punição.
As situações em que funcionários são demitidos não por falarem mal da empresa, mas por se expressarem de maneira considerada inadequada em redes sociais, demonstram que a regulação desce ao nível pessoal, determinando o que as pessoas podem dizer, como devem se portar e promovendo, em alguma medida, autocensura. Não tem cabimento que uma pessoa deixe de dar uma opinião, de manifestar o que pensa, com medo de retaliações no trabalho.
Mas o que fazer quando a postura considerada inadequada e que enseja punição está relacionada a valores que, de fato, devem ser combatidos, como machismo e racismo? Ao invés de cercear a expressão do funcionário, a empresa pode aproveitar a oportunidade para uma reflexão dentro da própria organização. Uma boa resposta pode ser: “Nossa empresa é feita de pessoas e pessoas erram. Não toleramos machismo e racismo e vamos discutir profundamente essas questões internamente e com nossos parceiros”.
Muitas empresas agem impulsionadas pela necessidade de dar uma resposta ao público e demitir quem ‘escorregou’ nas redes sociais acaba atendendo a estratégias de marketing, para que a empresa passe uma determinada imagem
Essa visão de que é preciso delimitar a expressão do empregado é também fruto de uma cultura autoritária, que se reflete não apenas no ambiente de trabalho, mas na imprensa, na publicidade e em outros setores. É importante questionarmos e discutirmos essas questões ligadas ao trabalho sob o prisma da liberdade e da Constituição.