É uma luta bonita a de tentar fazer com que os cursos de Direito sejam voltados para a formação intelectual, sejam dignos de um verdadeiro cultuador das normas, de legítimo guardião das leis, com efeito
Eu adoro os advogados. Tem sempre em suas vozes empostadas qualquer coisa que me remete a algo belo e que já passou. Podem estar nos escritórios mais tecnológicos, com os ternos mais bem cortados de toda a Itália, mas os vejo falando e é como se os visse com bengalas e cartolas em uma antiga tarde de verão, tomando a fresca.
A última luta dos causídicos se deveu à notícia de que no Ceará abriram um curso de Direito totalmente online, e voltado, ora ora, ao mercado, com toda a pinta de um curso instrumental, técnico.
Durante a semana passada, correram aos jornais os nobres colegas bradando contra o absurdo de um curso sem contato físico entre as partes envolvidas, e, sobremaneira, pecado supremo, voltado à superespecialização dos pupilos, que serão desde o início moldados para atuação em áreas específicas do Direito: docência, ramos da advocacia, e assim por diante.
“Onde aprenderão a filosofar?” – questionou o professor que é autor de diversos manuais de cursinhos preparatórios para concurso público; “Como aprenderão a arte da escrita?” – indagou outro que escreve artigos afoitos para cumprir a meta da universidade, caso contrário a nota do curso desaba; “Que tipo de profissionais estarão formando?” – ponderou o CEO do escritório que coloca advogados em estações de trabalho semelhantes às dos atendimentos de telemarketing.
“O Direito é uma arte; a arte de defender teses” – concluiu o que recorta e cola petições e se orgulha de ser chamado de “operador do Direito”, sem notar que “operador de” é nomenclatura mais adequada a quem lida com um guindaste do que com o Direito.
É uma luta bonita a de tentar fazer com que os cursos de Direito sejam voltados para a formação intelectual, sejam dignos de um verdadeiro cultuador das normas, de legítimo guardião das leis, com efeito.
No entanto, nobres colegas, essa luta chegou tarde. Talvez o que incomode mesmo na existência de um curso com esse viés não seja o que ele trará de prejuízo aos alunos – porque aos alunos o nosso mercado tem mesmo pouco ou nada mais a oferecer do que um trabalho instrumental -, mas que a existência do curso, ou melhor, a tolerância da sociedade com sua existência exponha a nu o que se tornou a atuação do Direito na modernidade: algo mecânico, instrumental, massificado, robotizado e inorgânico.
Mas, vejam, colegas, não será atirando pedras ao carteiro que nos veremos livres das cartas. Se há, e eu espero que haja, alguma intenção de que as profissões do Direito não sejam tratadas dessa forma, não será ensinando aos futuros profissionais que emergirão ao mercado algo que não encontrarão em momento algum da sua realidade prática, mas sim moldando a realidade prática do mercado.
Publicado no Portal Migalhas.