Chegou ao público recentemente a notícia de que o ministro Dias Toffoli, presidente do STF, por meio de suas atribuições no CNJ, e da Portaria 69, do dia 2 de maio, instituiu um grupo de trabalho que terá por finalidade avaliar, orientar e recomendar a melhor conduta dos magistrados nas redes sociais. Ao que parece, está sendo gestada uma espécie de manual de instruções da liberdade de expressão dos magistrados.
É de se notar, nos últimos tempos, a insistência de algumas autoridades em restringir a livre opinião, seja de populares, da imprensa, ou, agora, da magistratura, sob os mais variados pretextos.
Um interessante exemplo da pretensão do grupo se pode denotar do trecho que inaugura a referida portaria, e dá o tom do que exponho: “Considerando a necessidade de conciliar a liberdade de expressão, a presença dos magistrados nas redes sociais com a preservação da imagem institucional do Poder Judiciário”.
A liberdade de expressão é plena, é um sobredireito, e não precisa, pois, conciliar-se com ninguém ou coisa alguma. É o contrário: os demais é que têm de a ela se conciliar, e, para tal, a restrição, a orientação e o direcionamento descabem, e, potencialmente, imputarão ao magistrado a pior das censuras: a autocensura, o receio de estar inadequado, em razão de seus próprios pensamentos, essência mais valorosa de qualquer ser humano livre.
A Lei Orgânica da Magistratura (Loman) veda, de fato, a manifestação de magistrados sobre processos julgados por eles ou por colegas — e, por tais atos, já atualmente, podem os mesmos serem responsabilizados. No entanto, chama a atenção a tentativa de se regular previamente, ao que consta, quaisquer manifestações, ou seja, não apenas sob o enfoque específico abordado na Loman, o que torna a pretensão do referido grupo de trabalho manifestamente inconstitucional.
Há que se lembrar que a concepção moderna de Estado Democrático de Direito pressupõe não apenas a atuação negativa do Estado em relação a direitos fundamentais — como são os das liberdades de expressão e de imprensa —, não interferindo em seu livre exercício, mas também a atuação positiva, criando condições indispensáveis para possibilitar o exercício pleno e efetivo das garantias e direitos em questão.
O que escapa a isso está fora do Estado Democrático de Direito e, portanto, no terreno da inconstitucionalidade.
A tendência que se observa, pelos instrumentos que a sociedade civil possui de fazer a própria corte enfrentar as questões em comento e as rechaçar, é que tais medidas não gozem de efetividade prática. No entanto, são atos que deixam marcas, que podem, aos poucos, conduzir a uma indesejada ressignificação de conceitos democráticos, até então intocáveis, como os ligados às liberdades de manifestação e livre pensamento, por um viés autoritário.
Artigo publicado originalmente no Consultor Jurídico.