Há alguns anos publiquei, sob o título “A censura está de volta?”, em tom de quase desabafo, artigo sobre as então e ainda constantes, embora disfarçadas, tentativas de se empregar meios censórios em situações jurídicas no Brasil, malgrado a Carta de 1988 consagrasse, como princípio fundamental, o direito à difusão das atividades intelectual, artística, científica e de comunicação, e o pleno direito e a liberdade de acesso às informações de interesse público.
Em razão de tomadas de posição, a meu ver, juridicamente muito discutíveis, recentemente assumidas por ministros do STF sobre tais princípios de direito – dentre as quais se destaca a imposição de censura à reportagem publicada pela revista Crusoé e pelo site O Antagonista, intitulada “O amigo do amigo do meu pai” -, vejo como oportuno e necessário voltar ao tema da livre expressão e de sua relevância na história do País.
Durante o governo de Pedro I, quando este se alternava entre o libertador do Brasil e o convicto príncipe herdeiro de Portugal, vigeu um ambiente de insegurança política nesta terra, brotado a partir da liberdade proclamada, vigiada de perto pelos conservadores, instalados no poder.
Este pode ser considerado o início da história da luta pela liberdade de transmissão do pensamento e das ideias em terras brasileiras.
Como exemplo marcante dessa época, pode ser lembrado o assassinato de Giovanni Battisti Badaró, que entrou para a história com o nome maçônico de Líbero, morto em razão da sua heroica luta pela liberdade e autor de pensamentos esplêndidos como este: “Um povo sem liberdade é um povo mutilado naquilo que tem de mais nobre, um povo que não tem liberdade de pensar e de manifestar seu pensamento é como se não existisse, porque só através das conquistas do espírito as nações se engrandecem e constroem para os séculos e para a humanidade”.
Um século mais tarde, Rui Barbosa, desta feita não como jurista, mas sim como jornalista e defensor da liberdade de opinião, teve de deixar o País, perseguido pela ditadura de Floriano Peixoto, mas não sem antes defender a proibição da censura como condição essencial do Estado de Direito.
Sobre isso escreveu: “Toda a lei de tutela à publicidade, toda a lei de inspeção policial sobre jornais é, por consequência, usurpatória e tirânica”.
Não há dúvida de que a liberdade de pensar sem poder dizer de nada vale na ordem social e é conflitante com o pensamento democrático.
Qualquer coincidência entre as consequências despóticas então externadas por Rui e as recentes e ilegais posturas censórias que grassam forte na Suprema Corte, além de causar surpresa, também estarrece, por conflitar diretamente com o espírito liberal da Norma Constitucional, determinante da liberdade de expressão sem restrição de qualquer natureza.
A Constituição consagra a liberdade da palavra como princípio basilar dos direitos e das garantias fundamentais, independentemente de eventuais conclusões exegéticas ou de anseios interpretativos, por manifestar “in casu”, princípio juridicamente pétreo e indiscutível.
E a Carta não pode ser jamais considerada como repositório de doutrinas, nem ser instrumento de governo, razão pela qual quando define as circunstâncias em que um direito deverá ser exercido, tal imposição implicitamente proíbe interferências que possam admitir condições ou aplicações novas.
Em suma, a censura foi varrida do sistema jurídico pátrio e ponto final.
Inconstitucional e censória, portanto, com a máxima vênia, a decisão do ministro Alexandre de Moraes, ao determinar que as referidas publicações retirassem dos ambientes virtuais reportagem aqui mencionada.
A revogação do ato por este ministro, ainda que de bom tom, não elimina a preocupação de que o espírito da censura, infelizmente, ainda navega nas águas da Suprema Corte do País.
Artigo publicado originalmente em O Estado de São Paulo.