Política é uma atividade inata da democracia, logo, não é possível fazer política contra a democracia, escreve André Marsiglia
Cármen Lúcia sempre foi uma boa frasista. Quem não se lembra do “cala a boca já morreu” com que fechou em 2015 o julgamento do Supremo sobre biografias não autorizadas?
Na 5ª feira (25.jan.2024), durante encerramento de um ciclo de audiências públicas sobre as eleições de outubro, a atual vice-presidente do TSE (Tribunal Superior Eleitoral) cravou outra frase, muito pior que a anterior. Disse que as redes sociais não podem ser instrumento “contra política democrática”, que devem ser instrumento da “melhor política”. Fechou com o gracejo de que as redes sociais não podem ser antissociais.
O gracejo nem comento, mas o restante é preciso. Mostra que teremos eleições novamente com um tribunal tratando a liberdade de expressão nas redes como um perigo, aplicando-lhe condições de existência. Mostra também que o tribunal pretende controlar o debate eleitoral, no lugar de garanti-lo, como determina ao menos a Constituição que tenho em casa.
Mostra, ainda, que o controle será feito em nome de uma “política melhor”, de uma “política democrática”. E aqui a porca torce o rabo de uma vez por todas. Não existe política antidemocrática, ministra!
A política é uma atividade inata da democracia. Não tem como fazer política contra a democracia, nem, por consequência, fazer das redes seu instrumento. Mesmo quem defende a monarquia ou que os alienígenas tomem o poder, por exemplo, faz política democrática, pois seus questionamentos são feitos dentro da democracia e sob suas regras.
Quando o Judiciário diz ser necessário combater políticas “antidemocráticas”, em nome de uma política “melhor”, basicamente está dizendo que fará escolhas e as considerará lícitas, enquanto todas as demais, não.
Tenho insistido em meus artigos que o pensamento de direita tem sido o grande prejudicado dessas escolhas nos últimos anos. Todo pensamento de direita é chamado de extremista pela esquerda e, sob essa roupagem, criminalizado. Óbvio que radicalismo existe, mas se trata de uma característica da pessoa, não de sua ideologia.
A esquerda tem direito de criar essa narrativa e vender o engodo a seus eleitores, mas não aos juízes –e esses não têm o direito de fazer escolhas políticas por nós. O artigo 37 da Constituição carrega consigo o princípio da impessoalidade e impede o Estado de nos dizer o melhor pensamento a se ter, a melhor política a ser escolhida.
A conduta de um Judiciário que escolhe por nós é inconstitucional. Tal enredo vir de um tribunal cuja atribuição é guardar a Constituição é um paradoxo para lá de indigesto.