No nosso tempo, conseguir a atenção de alguém é mais relevante do que ser alguém
Ao utilizar a expressão “sociedade do escândalo” para explicar nossa época, o filósofo sul-coreano Byung-Chul Han tinha em mente uma premissa: o debate público morreu, pois é o espaço da dúvida mastigada aos poucos e não temos mais tempo para isso.
Diante da pressa maquinal da vida contemporânea, o debate foi substituído pelo escândalo. Aquele que tiver maior capacidade de chamar nossa atenção com algo escandaloso receberá nossos cliques e likes, nosso engajamento. E, na internet, isso vale dinheiro, e muito.
O apresentador Monark ter abordado tema tão espinhoso como o nazismo sem qualquer estudo ou cuidado e, em seguida, ter usado a desculpa bisonha de estar bêbado, mostra bem que qualquer coisa é válida para reter nossa atenção. De igual forma, sua empresa, Estúdios Flow, ter radicalizado, demitindo seu próprio dono, ilustra bem a disposição de dizer ao mundo: “não deixem de clicar em nós, estamos dispostos a tudo”. Sabemos que estão, do contrário estaríamos nessa semana falando de outra coisa.
Com Adrilles Jorge, ex-comentarista da Jovem Pan, não foi diferente. Seu gesto e sua demissão também foram alvos da atenção geral, ávida pelo show grotesco. Não passou um dia e o PTB o chamou para ser candidato nas eleições deste ano. Se ele foi demitido por suspeita de ter feito uma saudação nazista, por que um partido político mostra desejo de o lançar candidato? Porque ele é bom de escândalo, de cliques. Mesmo na política é só isso que importa, afinal o botãozinho de like do celular não é diferente do botãozinho verde da urna eletrônica.
No nosso tempo, conseguir a atenção de alguém é mais relevante do que ser alguém. Daí não ser prejudicial à reputação um advogado aparecer em público de sunga ou sem calças, um ator expor sua intimidade no BBB, um político xingar a imprensa, outro roubar. Não temos tempo a perder com nada muito profundo, o show precisa ser rápido e, de preferência, gerar escândalo. Essa é a lógica dos espaços de mídia como TikTok, Twitter, Instagram, YouTube, onde pessoas públicas e milhares de desconhecidos disputam na vitrine a nossa atenção.
Nesse contexto, não é muito difícil aceitarmos como verdadeira a premissa de Byung-Chul Han de que o debate público, de fato, morreu. Como consequência, a liberdade de expressão, que sempre foi o motor do debate, torna-se um conceito vago e abstrato.
Por isso, não estranhemos que seja cada vez mais corriqueiro encontrarmos quem defenda uma liberdade de expressão ilimitada. Enviuvado do debate, desconectado de sua função histórica de se dirigir ao outro para promoção do bem comum, o direito à expressão passa a ser entendido por uma parcela significativa das pessoas como um mero facilitador do discurso, seja ele qual for, pouco importando o mundo e a história. Que tudo se lixe, afinal, o que importa é ser livre, custe o que custar.
Leia o artigo em O Antagonista.