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O plano anticrítica dos políticos

Apostamos nossas fichas na liberdade de expressão e acabamos dormindo com a censura ao nosso lado, escreve André Marsiglia

No Brasil, o que é ruim sempre piora. Havia um acordo tácito na crítica: tínhamos um certo temor reverencial por juízes, descíamos a lenha sem dó em políticos. Quando os inquéritos sigilosos da Suprema Corte assumiram o país e nossos juízes supremos flertaram com a política, tentamos tratá-los como fazíamos com os políticos.

Trágico! Foi censura para todo lado. O recado era claro: juízes supremos podiam agir como políticos, mas teriam de seguir sendo tratados com a pompa e circunstância que dedicávamos aos juízes. Não se podia falar mal de juízes da Suprema Corte, não se podia falar que não se podia falar mal deles.

Nesse contexto, veio o pulo do gato dos políticos. Pensaram com seus botões: já que a censura se normalizou contra críticos do Judiciário, vamos aproveitá-la contra nossos críticos também. Quando nossos juízes supremos nos deram uma folguinha com seu tour europeu e a triste tragédia climática no Rio Grande do Sul exigiu uma maior contundência dos críticos em relação aos políticos, o plano foi posto em prática.

Meu leitor não é tolo e sabe que, não é de hoje, em tragédias, desastres e guerras, é corriqueiro haver muita desinformação –seja por maldade, seja pela dificuldade de se digerir adequadamente a quantidade de informações que circulam. É histórica a frase: “Em uma guerra, a 1ª vítima é a verdade”. Frase, aliás, atribuída a Ésquilo, mas também ao senador norte-americano Hiram Johnson (1866-1945), o que mostra que nem sobre a autoria da frase se tem certeza da verdade.

Pois bem, aproveitando que estavam todos rodeados e fartos de tanta desinformação, foi lançado um plano anticrítica a políticos que, ao que parece, chegou para ficar. Nós, os do povo, tentamos uma grande cartada: buscamos o direito de criticar juízes como criticávamos políticos e acabamos sem nada. Como diziam os antigos, quem tudo quer tudo perde. Éramos felizes e não sabíamos. Apostamos nossas fichas na liberdade de expressão e acabamos dormindo com a censura ao nosso lado.

De uma democracia relativa, porém debochada, em razão da crítica política, passamos a uma democracia totalitária. Foi-se a liberdade que já nos era rala. Se, diante de tal contexto, teremos um recuo ou mudanças, não sei. Mais provável que eu é que tenha de recuar e mudar meus textos. Sei apenas que a crítica no país vive desconfiada e amedrontada. E, se assim permanecer, o debate público, esse senhor já tão doente, morrerá desnutrido.