Um dos assuntos mais intrigantes da semana, sem dúvida, foi a batida em retirada do professor de direito e político petista Fernando Haddad da coluna que assinava no jornal Folha de S.Paulo.
Em tom crítico, muito se disse sobre o jornal e suas inclinações políticas, muito se disse sobre o político e suas inclinações midiáticas, mas estranhamente parece ter escapado a imensa relevância que possui o ato de Haddad para ilustrar a forma como encaramos o debate público e o exercício das liberdades de expressão no nosso país, ao menos nos últimos tempos.
Ocorre que a justificativa dada por Haddad para sua debandada do jornal, exposta em seu artigo de despedida, foi acreditar ter sido atacado pelo periódico. Em editorial publicado dias antes, a Folha analisara o que chamou de “sectarismo e o anacronismo” do PT, afirmando, entre outras coisas, que Haddad havia assumido o papel de “poste” na disputa ao Planalto em 2018.
O político deu a entender, em sua coluna derradeira, ter sido a crítica sofrida a gota d’água, pois já se mostrava desconfortável com os posicionamentos da Folha à época em que foi convidado para lá escrever. Mesmo assim, afirmou ter aceito o espaço a ele concedido em razão de entender necessária sua voz em um momento conturbado do país.
Se à época Haddad acreditou ser relevante o espaço do jornal, em razão do ambiente politicamente conturbado, que dirá de agora? Se há algo constante na política atual do país é a inconstância, como diria Camões, se residisse hoje no Brasil.
Em uma época instável como a nossa, é tarefa inafastável de qualquer um que entenda ter ideias brigar para as fazer escutadas, ainda que sob as pedras que lhe são atacadas. Aliás, como diz o ditado: o melhor lugar para se estar é perto de seus inimigos. Para estudá-los, como político, para refutá-los, como intelectual. Haddad se apresenta à sociedade como os dois, logo a tarefa de ambos é a de permanecer na coluna e lutar pelo que pensa.
A postura contrária parece demonstrar que sua expectativa era a de ser poupado pelos “colegas”, era a de que houvesse algum sentimento de corpo que lhe blindasse das críticas, e, assim não sendo, retirou-se, como quem leva a bola para casa e acaba com o jogo. Essa postura é equivocada, pois encerra o debate, no lugar de o promover.
E é algo muito semelhante a essa postura arredia ao debate que vemos atualmente no exercício de nossas liberdades de expressão: cancelamentos, lacrações, banimentos, boicotes, e toda sorte de expressões que nos conduzem sempre ao encerramento do debate, ao silenciamento daquilo que nos incomoda, como se não fosse a proteção conferida pelas liberdades de expressão justamente um afago constitucional ao fomento da discordância e da controvérsia.
O jornal Folha de S.Paulo, ainda que contestado de forma contundente pela coluna de despedida de Fernando Haddad, publicou-a integralmente, sem reparos, dando ao público alimento para pensar, e dando ao político a lição democrática de que o maior respeito que se pode ter em relação ao que o outro pensa é não recusar o sagrado espaço do debate. Recusá-lo enfraquece a democracia, deixa vazio o tumulto agregador que somente pode ser gerado pelo exercício pleno e corajoso das liberdades de expressão.
Além do empobrecimento do debate, o que fica da saída de Haddad da Folha é a vaiddad.
Artigo publicado no Poder 360.