O pão e circo bolsonarista é diferente. Não tem pão; é só circo. Os caminhoneiros que transportavam o pão estão entrando em greve, e as sobras foram comidas pela inflação
O político romano Caio Graco não conheceu o presidente Jair Bolsonaro, falha da história. O presidente Jair Bolsonaro certamente não conhece Caio Graco, falha de seus livros de história que tinham muita coisa escrita.
Mas ambos têm algo em comum: a política do panem et circenses. Caio, na Roma antiga, a criou. Juvenal, poeta satírico, a batizou. E embora todos os presidentes do Brasil arcaico – período histórico compreendido entre 1.500 e hoje – tenham se valido dela, cumpre reconhecer que Bolsonaro a desenvolveu e aperfeiçoou.
Digo isso porque o pão e circo bolsonarista é diferente. Não tem pão; é só circo. Os caminhoneiros que transportavam o pão estão entrando em greve, e as sobras foram comidas pela inflação.
Bolsonaro também inovou no que importa ao circo. O romano era uma arena em que os cristãos, jogados para guerrear com leões, divertiam o resto do povo.
No circo bolsonarista, o povo é jogado para guerrear com o coronavírus, e essa parece ser a diversão do próprio Bolsonaro, que fez o que pôde para politizar e atrasar a obtenção de vacinas, e tem achado muita graça na desgraça apurada pela CPI da Covid-19.
A diversão dada ao povo, nesse caso, é outra. Uma espécie de stand up, não cômico, mas trágico, com uma pitada de indiferença em meio ao caos. São vídeos com trocadilhos constrangedores, discursos bizarros, medidas de força esdrúxulas, lacrações na internet, tudo de péssimo gosto, quando não ilícito.
O humor, mesmo o mais tosco, sempre teve uma dupla função: servir como instrumento de crítica social, como nos ensina o provérbio latino ridendo castigat mores, e também como forma de ocultar a tragédia por trás do riso.
É desse segundo tipo o stand up tragedy bolsonarista. Serve, a um só tempo, como gasolina para motivar o riso sinistro de sua rede, e como colírio para embaçar o olhar dos críticos às mazelas do país.
O governo convoca jornalistas para depor, xinga veículos de comunicação, sua claque vibra, gargalha nas redes, e o olhar dos críticos é desviado.
No fim do dia, pouco se falou da considerável parcela da população que se alimenta de lixo e restos, se engalfinhando nas calçadas na disputa por um lugar para instalar sua barraca.
Uma revista semanal publica uma capa que, reconheçamos, é pesada, na qual compara Bolsonaro a Hitler, e é notificada para publicar uma outra que consegue, de tão ridícula, chamar mais a atenção do que a original. E, naquele dia, passa batido que o dólar chegou a 6 reais.
E assim vamos.
Ou não vamos.
É necessário que façamos urgentemente a crítica dos críticos. Talvez devêssemos todos passar a ignorar o lamentável stand up tragedy bolsonarista e falar apenas da fome, das mortes, do povo oprimido nas ruas, nas vilas, favelas.
Algo que não tem graça nenhuma. Ao contrário, dá é uma baita vontade de chorar.
Até mesmo escondido no banheiro.
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