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Revisionismo do The Guardian é pior que fake news, por André Marsiglia

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O novo governo federal passou praticamente três meses comemorando a conquista do voto popular. Segundo eles mesmos, tratava-se, afinal, da vitória do bem contra o mal, do amor contra o fascismo, das cores do Brasil contra as do obscurantismo. Não só. Era também, segundo os advogados da corte governista, a vitória do humanismo, do garantismo, da igualdade, da justiça.

Nos discursos de todes do governo, muito amor, muita paz, harmonia e beleza. Nos eventos, ministros sambando, conversas animadas. Quem ficará com este cargo? E aquela vaguinha no STF? Hum… A animação com que os ministros do Planalto foram anunciados me fez até lembrar Silvio Santos nos anos 80 chamando um a um os jurados para seu Show de Calouros: “e o Flávio Dino lá, lá lá lá ia lá ia… e o auditório lá, lá…”

No que toca às liberdades de expressão, nestes três meses, houve a criação da famigerada procuradoria da verdade pela Advocacia-Geral da União, pretendendo instituir um órgão anti-fake news que, na prática, serviu mesmo para confundir e perseguir opositores do governo. Houve nesses meses também uma óbvia intenção de colocar sob o mesmo balaio do debate sobre regulação das mídias pontos que deixavam campo aberto para regular conteúdos jornalísticos de veículos de comunicação.

Tudo isso me pareceu sempre muito pouco amoroso, harmônico e saudável. Passei a denunciar a intenção do governo cercear a liberdade de expressão nos artigos que escrevo e no meu Twitter. Fui convidado a programas de TV, rádio, apontei tecnicamente os riscos e acreditei que ajudava. Que nada, caro leitor, as pessoas não estão nem aí. Como me disse uma amiga: “você prega no deserto”.

Eu entendo. Tudo em que acredito, talvez, tenha morrido ou esteja em avançado estado de decomposição. A fala e escrita de boa parte dos formadores de opinião não possui um mínimo de qualidade, e a da imensa parte de nossos congressistas flerta com o sensacionalismo barato. Difícil defender no Brasil a plena liberdade de um debate que é uma porcaria inútil. As pessoas até agradecem hoje em dia quando governantes e juízes promovem censura. Alguns jornalistas chegam a aplaudir restrições judiciais impostas a colegas. “Melhor assim”, “melhor calados”, é o que dizem.

Nessa toada, embora eu venha achando o governo agressivo contra as liberdades e pouco amoroso com os cidadãos, as pessoas frequentemente me corrigem: “deixa de ser chato, a democracia voltou. Seja otimista”. Caro leitor, é um tremendo paradoxo ter nascido no Brasil e ser otimista. Deste constrangimento eu não morro.

Portanto, feito este balanço de três meses, concluo que o governo acabou: sua face amorosa se mostrou caricata, suas intenções autoritárias se evidenciaram. Não vê quem não quer ou não pode. Nesta última semana, até o escritor Paulo Coelho se enfileirou ao lado dos críticos. Disse ter se arrependido do voto e que o governo está “patético”. Se a irresignação de um escritor de meia pataca como eu não vale nada, confiem na do Paulo.

Publicado na revista Crusoé.