Se a Corte acabar com a liberdade de imprensa, não será sem a complacência dos que deveriam defendê-la, escreve André Marsiglia
Na semana passada, em plenário virtual, o Supremo Tribunal Federal decidiu que os jornais podem ser responsabilizados pelo que falam seus entrevistados. O processo foi ajuizado contra o Diário de Pernambuco em razão de afirmação, em entrevista, de que o autor da ação teria participado de um atentado a bomba em 1966, no Aeroporto de Guararapes.
Muitas manchetes e artigos de opinião a respeito disso foram taxativos: a liberdade de imprensa acabou. Afinal, as entrevistas passarão a ser censuradas pelo próprio receio dos editores. Sem contar a possibilidade de que o entendimento se amplie aos comentários de leitores e a artigos de opinião como este, caro leitor.
Embora o voto do relator, ex-ministro Marco Aurélio Mello, apontasse em direção contrária, favorável à mídia, a maioria foi formada pelo voto condutor e divergente do ministro Alexandre de Moraes. Então, qual a surpresa, não é? Trata-se de um ministro que, com grande apoio popular (inclusive de jornalistas e de setores jornalísticos), tem se mostrado convicto de que as big techs precisam ser condenadas em razão do conteúdo veiculado por seus usuários nas redes sociais.
O que Moraes fez foi criar uma analogia entre plataformas e veículos de mídia, entre conteúdos de usuários e de entrevistados. Nada de novo, pois é o que ele tem dito em entrevistas e palestras a respeito de notícias falsas, desinformação e discurso de ódio. É também o que guiou o PL 2.630 de 2020, alcunhado como das fake news, que será votado em breve com apoio da Corte.
Moraes não é exatamente um ourives do Direito. Não está interessado se o autor da fala é anônimo ou identificável, se há ou não edição do conteúdo, se a declaração é opinativa ou informativa, dotada ou não de interesse público.
Tudo isso deve parecer uma chateação imensa à cabeça de ministros que querem resumir a coisa toda a uma fórmula fácil: veiculou, pagou. Desta forma, os julgamentos podem ser feitos na baciada, podem orientar as demais instâncias, podem delegar às plataformas punir conteúdos sem a participação do Judiciário, como exige o PL das fake news.
Antigamente, conteúdos eram sofisticados, veículos eram em menor número, quem se expressava –e quem julgava– tinha um diferencial.
Hoje, com a internet e com as redes sociais, tudo se tornou de uma dimensão tamanha que não importa mais quem se expressa, mas quem será punido. A mídia, nascida em outra época, mas contemporânea das redes sociais, não será tratada de maneira diferente.
Acho engraçado que muitos dos jornalistas que reclamam desta decisão do STF são os mesmos que apoiam medidas censórias da Corte quando seu alvo são blogueiros ou usuários desconhecidos, jornais menores, aqueles a quem gostam de dizer que não são a “mídia profissional”.
O STF não vai estender um tapete vermelho para a mídia profissional. O STF não está nem aí. Além de controle, ele quer encontrar uma técnica simples que lhe permita se livrar dos problemas que as redes sociais lhes fazem chegar às mãos aos borbotões.
De minha parte, posso afirmar que a defesa seletiva e ideológica das liberdades de expressão e de imprensa –que lamentavelmente se faz no Brasil por veículos, jornalistas, entidades e ONGs– resulta em uma briga inútil que fortalece aqueles que detêm o poder.
Se o STF acabar com a liberdade de imprensa no Brasil, não será sem a complacência de boa parcela dos setores que deveriam se empenhar em defendê-la.
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