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Um conselho a André Mendonça

O medo da maior parte das pessoas com Bolsonaro emplacar no STF um ministro “terrivelmente evangélico” é que André Mendonça, ao se deixar adjetivar dessa forma, coloque em risco a laicidade do Poder Judiciário.

Não tenho esse medo. Não me importo com o adjetivo atribuído a ele, mas com o advérbio. O problema é ser escolhido como alguém que é terrivelmente alguma coisa, seja qual for.

Meu incômodo gramatical pode parecer uma preocupação tola, mas não é. De todas as classes de palavras da língua portuguesa, os advérbios são os mais traiçoeiros: deslizam pela frase, modificam o sentido, tonteiam o leitor. Nada disso ocorre com adjetivos, sempre dependentes e acessórios do substantivo.

Não há mal nenhum em um ministro ser evangélico; há tantos que são e foram ligados a religiões e nada disso os fez melhores ou piores. Ministros têm religião, time de futebol, preferências culinárias. São seres humanos como nós, embora nem sempre assim se enxerguem.

Também não há mal nenhum em ser a indicação de Bolsonaro destinada especificamente a um evangélico. Se o exercício da magistratura não pode ser político, a indicação de um magistrado pelo presidente – falemos a verdade – sempre é, e isso não começou nesse governo. Para Bolsonaro, é essencial fazer política com sua base aliada de evangélicos, faz parte do jogo.

Portanto, nessa história toda não é descabido Bolsonaro escolher um evangélico ou ele aceitar assim ser adjetivado, o descabido é ele ser terrivelmente algo.

Um julgador – evangélico ou não – precisa aplicar ao caso concreto a justa medida de forma equilibrada, como há tantos e tantos séculos já recomendava Aristóteles em suas lições de Ética sobre a arte de decidir. E ninguém será capaz de alcançar o necessário equilíbrio agindo terrivelmente.

O novo ministro, no exercício de seu cargo, não precisa disfarçar suas crenças, não precisa deixar de ser evangélico, pois sua religião faz parte de sua cultura, e é também investido dela que um juiz examina um caso.

Meu conselho, André Mendonça, se me permite, é: se afaste do advérbio. Fuja dele. Enquanto juiz, corra dessa traiçoeira classe de palavras, e não seja terrivelmente nada. Do contrário, os adjetivos que o povo e a imprensa lhe darão não serão dos melhores.

Leia o artigo em O Antagonista