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Uma Corte digna de nota…da OAB

Não há legitimidade em nenhum regimento interno que desvirtue a ampla defesa, o contraditório ou que iniba a crítica da sociedade, escreve André Marsiglia

Na 5ª feira (9.nov.2023), depois de o ministro Alexandre de Moraes negar a um defensor público o direito de sustentar oralmente suas razões, ancorado no fundamento de que o regimento interno do STF teria mais força do que normas constitucionais que asseguram a ampla defesa e o contraditório, a OAB (Ordem dos Advogados do Brasil) emitiu uma dura nota em oposição à conduta da Corte.

Correta a nota. Qualquer regimento interno, de qualquer instituição, sempre deve se submeter a regras democráticas básicas determinadas na Constituição. Bom, mas a nota muda alguma coisa? De efetivo, nada.

Mas, como aprendi com minha analista lacaniana, todo ato se interpreta para além dele próprio. Assim, a nota da OAB simboliza que os ministros passaram do ponto até mesmo na avaliação de uma entidade que até o momento estava em silêncio.

Pode parecer pouco, mas não é. Em razão da inesperada nota, parte significativa dos jornalões, que geralmente tapam olhos e ouvidos à truculência das decisões do STF, noticiou o caso como um abuso da Corte. Também se fizeram ouvir jornalistas e advogados que, tímidos ou intimidados, não saíam de suas tocas havia um considerável tempo.

Claro, houve os que com luvas de pelica classificaram o ato como “escorregão” ou “deslize”. Mas tudo bem. Já é alguma coisa.

Não tenho expectativas de que o gênio volte para a lâmpada e o STF recue. Não tenho expectativas de que a OAB se torne combatente e repita o repúdio em outras ocasiões. Instituições costumam resolver suas diferenças longe das vistas do público, como penso ter acontecido, por exemplo, com o Congresso, nas muitas vezes em que o STF passou por cima de suas pautas como um rolo compressor.

Não importa. Como dito no início, todo ato se interpreta e se desdobra para além dele próprio.

A conduta do STF ter sido digna de nota da OAB foi importante, demonstrando que as críticas aos avanços indevidos da Corte não são exclusivas desta ou daquela ideologia, desta ou daquela preferência política, e muito menos podem ser consideradas um ataque à democracia. Diferentemente, é a plenitude do exercício democrático criticar uma Corte constitucional quando extrapola.

Não há legitimidade em nenhum regimento interno que desvirtue a ampla defesa, o contraditório ou que iniba a crítica da sociedade ao que quer que seja. Uma Corte que assim se comportar será sempre digna de nota, sendo ela emitida ou não.