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Bolsonaro inelegível reforça jurisprudência agressiva do TSE

Da mesma forma que um remédio em excesso pode se tornar veneno, um Judiciário que não para nunca de vigiar abusos termina por cometer os abusos ele mesmo

O relatório de 43 páginas que serviu de base para a Ação de Investigação Judicial Eleitoral (AIJE 11527), na qual se pede a inelegibilidade de Bolsonaro e de seu candidato a vice, Walter Braga Netto, contém alegações de que o ex-presidente, em reunião com embaixadores, se valeu de sua função e dos bens da União — a reunião foi no Palácio da Alvorada — para impulsionar sua candidatura, desviando a finalidade do que é público em favor próprio, gerando disparidade de armas entre os demais candidatos e violando os artigos 37 §1º da Constituição Federal, 73, I, da Lei 9.504/97.

A alegação é frágil. Sabemos que, no Brasil, o limite entre público e privado, entre Estado e governo, é tênue, razão pela qual a lei é habitualmente aplicada sem muita rigidez.

O cerne do julgamento não será este, mas o de que Bolsonaro, segundo o relatório, disseminou “informações falsas” sobre o processo eleitoral e fez “ataques” a ministros da Corte, alcançando “parcela significativa do eleitorado”, violando o artigo 22 da chamada Lei de Inelegibilidade (LC 64/90), que pune o uso indevido de meios de comunicação.

A referida lei nunca serviu para isso. De uns anos para cá, a jurisprudência do TSE vem formando precedentes de que a propagação de “desinformação” e “inverdades” nas mídias sociais caracteriza uso indevido dos meios de comunicação. Incialmente, os julgados miravam disparos em massa de mensagens de aplicativos. Em seguida, o TSE começou a entender que falas de candidatos interpretadas como ataques ao processo eleitoral ou à democracia também se enquadravam.

Foi assim que o deputado Fernando Francischini foi cassado, em 2021, após suas falas questionando a segurança das urnas terem sido enquadradas no mesmo artigo 22 da LC 64/90.

Na reunião com embaixadores, de fato, Bolsonaro proferiu uma série de bobagens bravateiras: questionou a integridade do processo eleitoral, do TSE e de seus ministros, afirmou que os resultados poderiam ser comprometidos por fraudes e que as urnas eram inauditáveis e manipuladas para favorecer políticos de esquerda, de quem alguns ministros seriam, segundo ele, aliados.

Não digo que as falas sejam insignificantes, mas as entender como razão para tornar alguém inelegível não é uma interpretação técnica, é um total exagero. Também flerta com o mesmo exagero sustentar que os vídeos com as tais falas que, segundo o relatório, tiveram 589 mil e 587 mil visualizações no Facebook e Instagram, respectivamente, impactaram significativamente eleições com mais de 156 milhões de eleitores aptos a votar.

Veja, leitor, juridicamente, o impacto tem de ser realmente significativo e inequívoco. Está em jogo a inelegibilidade de um candidato e o reforço a uma jurisprudência agressiva que poderá impactar os próximos que virão. A condenação à inelegibilidade precisa sempre ser tratada como uma exceção, afinal, nas eleições, o voto do povo — e não dos ministros do TSE — é protagonista.

A cassação de eleitos e a proibição de futuras candidaturas a que temos assistido ultimamente deslegitima e descredibiliza a soberania conferida ao voto popular. Ainda que desinformações sejam nocivas às eleições, tumultuam menos do que a interferência recorrente do Judiciário no pleito eleitoral. É ruim o jogo de futebol em que o árbitro é por demais rigoroso e marca todas as faltas possíveis e imagináveis, não deixando o jogo seguir, ou expulsando jogadores logo no início da partida.

Discursos abusivos e desinformativos não devem ser tolerados, mas podem ser punidos nas urnas. Foi o que, aliás, ocorreu com Bolsonaro. Da mesma forma que um remédio em excesso pode se tornar veneno, um Judiciário que não para nunca de vigiar abusos termina por cometer os abusos ele mesmo.

André Marsiglia é advogado constitucionalista, professor e pesquisador de casos de censura no Brasil

@marsiglia_andre

andremarsiglia.com.br