Advogado reflete sobre debate na mídia. “Ganhamos todos, sendo menos censurados”
No mundo moderno, com a quantidade enorme de informações e conexões a serem digeridas, em lapso temporal mínimo e descartável, é tentador nos acomodarmos com o exercício de uma espécie de inteligência sem fôlego.
Diante da complexidade a nós exposta, a defesa mais confortável se torna reduzir as variáveis do mundo à singeleza da polarização: certo ou errado; bem ou mal; direita ou esquerda. E, depois, descartar o que pensamos, prontos que sempre estamos a uma nova redução singela.
O debate sobre política e fake news retrata bem o ponto. É óbvio que nada há de novo na constatação de que entre nós habitam notícias fraudulentas e oposições político-ideológicas fundas, tendo em comum apenas seu modus inoperandi. O novo não reside, pois, nos temas, mas na nossa incapacidade de lidar com suas variáveis complexas.
Mesmo quem se entende imune às polarizações apresenta comportamento similar: a confiança de alguns grupos de que determinado político fale apenas a verdade não é menos ingênua do que a certeza coletiva de que os políticos falem somente a mentira; o consumo cego de um jornalismo claramente parcial não é menos perverso do que o consumo irrefletido de um jornalismo tradicional, que se posicione comercialmente como plural.
Aliás, decerto, alguma espécie de sentimento pio nos embebeda quando acreditamos sem reparos na criação de um pool de veículos de comunicação dedicado a combater os ímpios na cruzada da verdade sobre o coronavírus.
Nessa esteira, diferente não seria o que ocorre com os atos opressores do Estado e suas diversas variáveis contra as nossas liberdades. A complexidade moderna da opressão também não poderia deixar de nos propiciar uma bifurcação binária: se uma pessoa de esquerda foi censurada, e eu sou de direita, não é censura; se uma pessoa de direita foi censurada, e eu sou de esquerda, é constitucional.
Ou ainda: se o jornalismo que um veículo faz é de direita, e eu sou de esquerda, o jornalismo é desinformação, fake; se o jornalismo que um veículo faz é de esquerda, e eu sou de direita, o comunismo o cooptou.
Em socorro à controvérsia, nos jornais, não faltam autoridades de Estado chamadas a jogar luz sobre o tema, mas que acabam apenas proferindo algumas frases de efeito que não nos dizem nada, mas servem de manchete do dia. “A liberdade de expressão é o sustentáculo da democracia”. Ou então, para a situação oposta: “A liberdade de expressão não é absoluta, precisa ser limitada”.
O enevoamento acerca do que venha a ser censura e liberdade não é um mal em si. É saudável que grupos gritem que se sentem censurados por razões diversas, e até opostas, desde que tenhamos a nobreza democrática de recepcionar a diversidade de percepções como uma salutar amplificação do que entendemos pelo tema.
Assim, ganhamos todos, sendo menos censurados, ou decantando o debate, o que ao fim e ao cabo dá no mesmo.
Prejuízo, no entanto, haverá sempre que os censores, sabedores de que os censurados raramente se unem, encontrarem no natural desacordo do debate a desculpa ideal para nos enfiar goela abaixo mais censura e menos liberdade. E, de quebra, estampar nos espaços cedidos pelos jornais belas frases de efeito que os posicionem como defensores do verdadeiro ideal democrático, seja lá o que isso for – talvez, apenas mais uma frase de efeito.
Artigo publicado no Poder 360.