O princípio básico da liberdade de imprensa é garantir que jornalistas contem histórias. O núcleo duro desta liberdade, onde reside, portanto, o interesse público da proteção constitucional, está na exigência de o Estado não interferir e proporcionar o necessário para que o jornalista possa apurar, escrever e publicar seu texto. Por essa razão, aliás, a censura não se dá apenas quando um texto é retirado de circulação, mas também quando impedido de ser escrito, ou até mesmo quando é negado ao profissional de imprensa acesso pleno a informações de interesse público.
Na semana passada e – infelizmente – nesta também, diante dos tristes ataques que têm ocorrido em escolas brasileiras, alguns veículos de imprensa e associações de jornalistas se posicionaram no sentido de não expor imagens ou nomes capazes de identificar os responsáveis pelos crimes. Entendo que a conduta dos veículos é correta do ponto de vista ético e jurídico. Afinal, a identificação dos autores da tragédia não é um elemento essencial para que esta história seja contada. A notícia, neste caso, não é quem cometeu o ato, mas o ato em si.
No entanto, se algum veículo expusesse a identidade dos assassinos por resolver contar sua trajetória de vida, sua origem, seu perfil psicológico, a identificação destes poderia não ser ética, mas certamente seria lícita, pois passaria a gozar de interesse público, passaria a ser o foco da história. O mesmo poderia ser dito, se os crimes tivessem sido cometidos por um ator ou cantor famoso, um jogador de futebol ou um político. Nesses casos, a identificação seria essencial e evitá-la, um verdadeiro ato de censura cometido pelos próprios veículos de comunicação a seus jornalistas. O que torna ética e lícita a postura dos veículos na última semana – e não censória – é terem aberto mão de trazer à luz informações que não são essenciais. Não se trata, portanto, de terem evitado a informação trágica, mas apenas aquela que se mostrou excessiva e desnecessária à história contada.
Parametrizar a essência da proteção à liberdade de imprensa pela informação necessária a que uma história seja contada não é uma novidade. O Superior Tribunal de Justiça, ao se debruçar sobre o tema do Direito ao Esquecimento e analisar os famosos casos da chacina da Candelária e de Aída Curi, em voto muito consistente do relator Luís Felipe Salomão, cuidou exatamente deste ponto. A única condenação havida se deu em razão de, no caso da chacina, ter havido por parte da imprensa identificação de um personagem secundário. Depois, infelizmente, todos sabemos, o Supremo Tribunal Federal examinou o mesmo tema e tornou obscuro aquilo que o ministro Salomão havia solucionado muitíssimo bem.
Uma das tarefas mais difíceis do Direito é pensar o limite de um direito fundamental como a liberdade de imprensa. Muitos dizem: é a lei, sim, mas sempre um juiz a poderá interpretar subjetivamente e de forma arbitrária. Outros dirão: é o interesse público, sim, mas é absurdo pensar em um núcleo legítimo de interesses coletivos em uma sociedade esmigalhada por individualidades narcísicas e tribalismos identitários. O parâmetro que a própria imprensa encontrou e que acima examino parece ser um caminho interessante; está de acordo com os melhores julgados sobre o tema e permite chegarmos a uma métrica concreta e sólida a respeito da limitação à atividade da imprensa, ou mesmo daqueles que se expressam nas redes sociais. A incoerência e falta de critérios com que políticos, juízes e formadores de opinião despreparados têm tratado o tema têm sido arma feroz para cometimento de censura de todo tipo contra aqueles que se expressam no Brasil.
Publicado na revista Crusoé.