Entendo ser salutar a adesão em massa de empresários, artistas e juristas ao manifesto em favor da democracia e do Estado democrático de direito, lançado na última semana pela Faculdade de direito da Universidade de São Paulo (USP).
Diversos atores do cenário político e jurídico, em proveito do momento, também se fizeram ouvir na imprensa. Um dele foi José Serra que, em artigo no Estadão, escreveu que “a liberdade é a gênese da democracia”. A ministra Carmen Lúcia, em texto para livro do Supremo Tribunal Federal (STF) sobre Liberdades, também pontuou que “todo atentado à democracia aposta no cidadão desatento”.
Advogo há muito tempo em favor das Liberdades de expressão e de imprensa e, obviamente, o tema me interessa, afinal a democracia é mãe de toda e qualquer liberdade. Por essa razão, concordo que seja absolutamente essencial sua defesa no momento atual, em que a desconfiança na lisura do processo eleitoral é utilizada como um ativo político e marotamente plantada a cada esquina por amalucados adeptos do atual governo federal.
Mas qual democracia estaremos defendendo?
A simples observação de que desejamos uma sociedade comprometida com ela não tem nenhuma utilidade prática. Se ficarmos só nisso – e temos ficado- não chegaremos a lugar algum. É um grave erro pensarmos que a democracia tenha um só significado. Uma grande inocência nos valermos dela como símbolo de um paraíso perdido onde tudo era bom e justo. Não podemos, como fez o jogador Neymar, sentir saudades do que não vivemos.
Durante nosso último período democrático, não fizemos mais do que fortalecer um sistema hipócrita e desigual, em que poucos podem muito e muitos podem pouco. Em que os direitos e liberdades são migalhas concedidas aos pobres, em troca de votos. Aos ricos, em troca de favores.
A defesa da democracia precisa ser um ponto de partida –não de chegada- para nos questionarmos que tipo de país realmente queremos e somos capazes de construir. E qualquer resposta que não passe necessariamente pela construção estrutural de uma sociedade igualitária, comprometida com uma distribuição equitativa de recursos econômicos, de direitos e de poder sobre decisões políticas, será uma piada. Será a gestação do próximo messias ou tiranete a nos ameaçar a democracia novamente.
Publicado na Revista Crusoé.