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TSE não deve proteger a privacidade dos candidatos, por André Marsiglia

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Neste mês de agosto, quando a campanha eleitoral entrará em cena de vez e aquecerá ainda mais o debate e a busca de informações sobre os candidatos, o TSE (Tribunal Superior Eleitoral, na foto) terá que decidir se retira ou mantém, em seu site, uma absurda restrição à parte das informações sobre o patrimônio daqueles que pretendem ser nossos representantes. O Tribunal justifica a medida na proteção conferida pela LGPD (Lei Geral de Proteção de Dados).

No Brasil, muitas vezes cabe ao julgador salvar a redação de nossas leis. Neste caso, aconteceu o contrário – a lei é boa, a interpretação do TSE é que foi inconstitucional. O artigo 4º da LGPD traz expressa previsão de que não se aplica a proteção legal ao tratamento de dados realizado para fins jornalísticos. A exceção legislativa intencionou, obviamente, proteger um bem maior: o acesso da coletividade à informação de interesse público.

Faz todo sentido. Priorizar tais interesses caminha em direção à preservação de direitos fundamentais de primeira ordem, como os das liberdades de expressão e de imprensa, esculpidos nos artigos 5º, incisos IV, XIV e 220. E também no 37 da Constituição Federal, de onde se tira o princípio da transparência, tão essencial ao Estado democrático moderno. Qualquer interpretação que desconsidere esta visão contraria os fundamentos mais básicos da Constituição.

Naturalmente, os dados referentes à composição patrimonial de um agente público ou de um pretendente a exercer uma função de Estado são de interesse coletivo. Se um candidato espera ser eleito defendendo a ampliação do número de vagas no ensino superior, seria absolutamente pertinente ao eleitor saber, por exemplo, se ele é proprietário de universidades. O mero detalhamento da composição do patrimônio não expõe a privacidade do candidato; é apenas um dos bons indicadores de sua intenção com o eleitor, bem como de sua expertise e coerência com as ideias que defende.

Com a restrição de acesso aos dados, o TSE, além de interpretar de forma equivocada a LGPD, criando um precedente perigoso para a transparência dos dados públicos nas demais instâncias e tribunais, sujeita a lei a servir para a ocultação de informações que possam ser comprometedoras a agentes públicos.

O TSE tem realizado um trabalho exemplar no sentido de dialogar com todos os participantes do pleito eleitoral, afastando dúvidas, evitando tumultos, primando pela atenção à transparência. Não precisamos que esse elo de confiança tão delicadamente criado seja rompido por uma interpretação que, certamente, merece melhor reflexão. O Tribunal tem tempo para voltar atrás. É o que se espera de uma Corte que auxilia na construção de uma democracia moderna e madura.

Publicado na Revista Crusoé.