PL das Fake News pode não ser votado, mas seu espírito está muito vivo num país onde a liberdade de expressão rapidamente vai virando exceção
Na semana que passou, uma reportagem da Crusoé noticiou que foi suspensa a conta no Instagram da Associação das Emissoras de Rádio e Televisão do Estado de São Paulo (AESP). Tudo leva a crer que a plataforma tenha suspendido a conta em razão de uma simples nota em favor da liberdade de expressão. Parece esquisito, leitor? E é esquisito mesmo.
Acontece que em decorrência do recente pedido do Ministério Público Federal para que concessões da emissora Jovem Pan fossem canceladas, diversas entidades dos setores de rádio e TV, dentre as quais a AESP, demonstraram preocupação com o perigoso precedente. A nota da associação não trazia juízo de valor, adjetivações, nada. Mesmo assim, a Meta, dona do Instagram, entendeu que a entidade compartilhou conteúdo que violava sua política.
Walter Ceneviva, advogado da AESP, e a quem não apenas conheço como também prezo e admiro, foi ao ponto: “As redes sociais não têm mecanismos eficientes para separar o que seria um abuso de algo que é mera liberdade de opinião e expressão”.
Pois é, temos visto com frequência redes sociais trocarem os pés pelas mãos no gerenciamento do conteúdo de seus usuários. Se o grande receio do setor de comunicação é o avanço estatal sobre as escolhas editoriais de veículos, o grande receio dos usuários é o avanço das plataformas sobre sua liberdade de expressão. E se hoje é assim, imagine então com o PL2630/20, alcunhado como Projeto de Lei das Fake News, que pretende delegar às plataformas justamente o gerenciamento que demonstram todo dia serem incapazes de fazer.
Dou um exemplo: o artigo 11 e seguintes do PL 2630/20 atribui às plataformas o chamado “dever de cuidado”, transferindo a elas a obrigação de impedir a exposição de discursos que atentem contra o Estado democrático. Se o que é atentar contra o Estado democrático já é uma abstração e tanto na cabeça de nossos doutos juízes, imagine então na cabeça de lata dos robôs das plataformas.
De acordo com o PL, quando as plataformas permitirem a circulação de conteúdo considerado problemático serão severamente punidas, o que estimula, por óbvio, que optem por banir ou nem sequer distribuir conteúdos relacionados a temas potencialmente polêmicos, mesmo que lícitos, como no caso da nota da AESP.
Mesmo com o PL2630/20 fora da pauta do Congresso, a Folha de S.Paulo noticiou há alguns dias que o governo discute nos bastidores um plano B para regulação da internet antes da eleição de 2024. Segundo o jornal, o plano seria recuperar a proposta de regulação apresentada em outubro do ano passado pelo Tribunal Superior Eleitoral.
À época, analisei a proposta e tudo de problemático que mostrei existir no PL das Fake News aparece potencializado na proposta do TSE. Expressões abertas e passíveis de interpretação dúbia como “grave ameaça”, “conduta antidemocrática”, “fatos inverídicos”, abundam e são base para os ilícitos a serem expurgados pelas plataformas. De quebra, claro, se não retirarem ou não distribuírem conteúdos corretamente, as empresas serão punidas com severidade.
Com as opções que temos na mão, não há o que fazer: se correr o bicho pega, se ficar o bicho come.
Acostume-se, caro leitor, pois a censura moderna funciona assim: se você se expressar, será censurado. Faça o que fizer, escreva o que escrever, tenha o cuidado que tiver. Nada importa, nada basta. Censura virou a regra, deixou de ser exceção. Se o censor errar o alvo e acertar um dardo na sua testa, você que corra atrás para mostrar que focinho de porco não é tomada.
André Marsiglia Santos é advogado constitucionalista e professor. Pesquisa e atua em casos de censura judicial.