Na última semana, por maioria de 7 votos a 3, o Supremo Tribunal Federal decidiu que é constitucional obrigar as emissoras de rádio a transmitir o programa “Voz do Brasil” em horário nobre, fixado entre 19 e 22 horas. O fundamento adotado pela corte foi o de haver prevalência de interesse público do informativo estatal sobre a liberdade de expressão das emissoras.
Atuei como advogado de diversas rádios em ações semelhantes, julgadas por tribunais infraconstitucionais que, muitas vezes, se pronunciaram no sentido de que a interferência na escolha da programação é inconstitucional. Esses tribunais certamente entenderam melhor a constitucionalidade a envolver o tema do que o próprio STF, nossa corte constitucional.
O ponto é o seguinte: em casos que envolvem empresas de comunicação e imprensa, colocar em lados opostos interesse público e liberdade de expressão é algo inconcebível. A liberdade de expressão não se dissocia do interesse público, porque ela o personifica, ela é o interesse público. Razão pela qual, nesses casos, há sempre de se desconfiar da real existência do interesse público que precise excluir, de alguma forma, a fruição plena da liberdade de expressão.
E é exatamente a desconfiança que merece a “Voz do Brasil”. Não há nenhum interesse público no referido programa. Com o passar dos anos, com o avanço tecnológico dos meios de comunicação e a diversidade de formas de os poderes da República se comunicarem com os cidadãos, é absolutamente fantasioso acreditar que a “Voz do Brasil” é a salvação da lavoura para as pessoas estarem inteiradas do que fazem os agentes públicos.
Com a profissionalização da comunicação oficial do Estado, difícil, inclusive, não enxergar em boa parte do exposto no referido programa traços de verdadeiro conteúdo publicitário e promocional dos governos e governantes.
A decisão do STF de obrigar que seja fixada em horário nobre a transmissão gratuita de conteúdo estatal que, em nada, ou muito pouco, interessa à população, passa, portanto, ao largo de ter respaldo no interesse público e, de quebra, deixa descoberto o direito dos veículos ao exercício de sua plena liberdade de expressão. Aliás, não apenas de expressão, mas de livre escolha editorial de sua programação.
Se o Judiciário, com a decisão, intencionou demonstrar interesse em que a população esteja ciente do que acontece com os poderes da República, uma melhor alternativa seria rechaçar sempre os tão comuns pedidos judiciais de autoridades públicas para que veículos de imprensa retirem conteúdo de seus sites, revistas, jornais, rádios e televisões.
Os veículos de imprensa e jornalistas mais fiscalizadores dos poderes estatais são também os mais atingidos por decisões precipitadas, que não fazem outra coisa senão constranger o acesso pleno do cidadão ao que acontece em seu país.
Publicado no Consultor Jurídico.