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Lula e o direito a chamar Bolsonaro de genocida, por André Marsiglia

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Os advogados de Lula recorreram nesta semana de uma decisão do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) que o impede de chamar Bolsonaro de genocida. O candidato petista quer ter o direito a chamar o mandatário dessa forma e interpreta o termo como exercício regular de sua liberdade de expressão.

Do ponto de vista jurídico, as eleições têm por princípio o direito ao discurso e ao amplo debate e, como limite, a manipulação da informação inequivocamente mentirosa. Se Lula disser, por exemplo, que o presidente é negacionista ou desumano, contará com a possibilidade de que tais adjetivações não sejam entendidas como mentiras inequívocas, incontestáveis, podendo ser utilizadas em campanha, pois são juízos de valor que dependem de certa interpretação subjetiva. Até mesmo a expressão fascista, tão usual hoje em dia para designar o presidente, entendo possuir algum grau de subjetividade interpretativa, sendo utilizada como sinônimo de pessoa autoritária e avessa ao diálogo.

Em relação à expressão genocida, no entanto, é diferente. Genocídio é um crime. E acusar alguém de um crime não é um direito. Até que o judiciário condene Bolsonaro por genocídio, adjetivá-lo desta forma, durante uma campanha eleitoral regular, não pode ser considerado uma verdade incontestável, não sendo amparado pela liberdade de expressão.

Lula pode, em tese, chamar Bolsonaro de negacionista, desumano e até mesmo de fascista, mas não de genocida, ou não sem que o TSE interfira, como já o fez. Da mesma forma, aliás, Bolsonaro não pode imputar a Lula crimes que não cometeu, como, por exemplo, o de ter participado da morte do ex-prefeito Celso Daniel. Em ambos os casos, os candidatos passam do ponto tolerável.

Independentemente do resultado do recurso de Lula no TSE, é lamentável que o Judiciário tenha de se manifestar formalmente a respeito de um dos candidatos ter ou não o direito de chamar o outro de genocida. Lula sabe disso e se aproveita desse fato. Forçar a justiça eleitoral a discutir seu direito já é por si só uma exposição do adversário suficiente para empurrar a imagem pública de Bolsonaro ainda mais para a lama.

Para nós, eleitores, resta lamentar. Conviver com um debate em que os postulantes ao cargo de presidente da República se acusam de crimes para vencer as eleições não é exatamente o que a maioria de nós imagina como sinônimo de “festa da democracia”.

De um lado, um candidato que precisa ganhar na justiça o direito a não ser chamado de genocida. Do outro, um que busca o direito a chamá-lo. No meio deles, nós, carentes de planos e de projetos concretos para sairmos de uma crise sem precedentes que assola o mundo todo, mas que parece se instalar confortável e preguiçosamente na poltrona da sala de cada um dos brasileiros.

Publicado na Revista Crusoé.